Recorrendo ao teste com Allium cepa (cebola) para avaliar a qualidade da água em um trecho crítico do rio Paraíba do Sul, a bióloga Agnes Barbério chegou a resultados positivos para substâncias poluentes que não haviam sido detectadas pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) em seu rigoroso sistema de monitoramento dos corpos d’água paulistas. A pesquisa de doutorado, que exigiu a coleta e análise de amostras de água por três anos, indica que o “teste da cebola” pode complementar o trabalho realizado pela Cetesb, que não utiliza esta técnica.
“Foi compensador perceber vários parâmetros alterados – como de alumínio, fósforo e oxigênio dissolvido – quando os relatórios da Cetesb não apresentavam resultados de toxidade. O órgão, que já faz uso de 50 variáveis de qualidade da água, poderia incluir o teste Allium no monitoramento, haja vista a dificuldade de estabelecer um prognóstico realista diante da quantidade enorme de substâncias lançadas nos rios”, sugere a autora, que obteve o doutoramento pelo Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, sob orientação da professora Maria Luiza Silveira Mello.
Agnes Barbério, que é docente da Universidade de Taubaté (Unitau), coletou amostras para avaliar a citotoxidade e a genotoxidade das águas do Paraíba do Sul nas cidades de Tremembé e Aparecida, onde a Cetesb mantém pontos de monitoramento. “A contaminação por esgoto urbano neste trecho de rio é absurda, em quantidade vinte vezes maior do que a normal. Tremembé, Aparecida e cidades vizinhas como Potim e Guaratinguetá despejam seu esgoto sem qualquer tratamento, sendo que a correnteza ainda traz a carga orgânica de Jacareí, São Jose dos Campos e Taubaté”.
A pesquisadora lembra que o Vale do Paraíba também é uma região em franco desenvolvimento urbano e industrial, cortada pela via Dutra, que liga dois grandes centros produtores e consumidores do país (São Paulo e Rio de Janeiro), o que facilitou a instalação de indústrias de grande porte. “Há resíduos das áreas de aeronáutica, automobilística, papel e celulose, química, mecânica, eletroeletrônica, extrativista e centros de pesquisa, além da pecuária e cultivos de eucalipto, arroz, feijão e milho”.
Outro agravante, segundo a professora, é a existência de muitas residências margeando o rio, que é utilizado como um quintal onde os moradores descartam desde lixo doméstico a sofás e geladeiras. “Com tanta poluição de natureza urbana, industrial e agrícola, restam pouquíssimas espécies de peixes no Paraíba do Sul. Ao contrário de poucas décadas atrás, hoje é raro ver alguém na margem com a vara de pescar, sendo que eu não me arrisco nem aconselho ninguém a comer esses peixes”.
De acordo com a biológa, a cebola (Allium cepa) tem sido indicada para testes de genotoxidade devido a características como sua cinética de proliferação celular, crescimento rápido das raízes, grande número de células em divisão, alta tolerância a diferentes condições de cultivo e fácil manuseio. “O teste Allium confere maior grau de proximidade com espécies da biota expostas às substâncias tóxicas. Embora existam vários outros métodos, é difícil monitorar baixos níveis de poluentes e fazer um prognóstico ambientalmente realista ao nível do ecossistema”.
Na prática, nos meses de agosto de 2005 a 2007, a autora da tese coletou amostras das águas da margem e do meio do rio Paraíba do Sul, correndo ao laboratório para mergulhar nelas os bulbos de cebola. Depois de 48 horas, selecionava os bulbos que tinham enraizado e submetia as raízes ao protocolo do teste Allium. O passo seguinte era a confecção de lâminas para analisar o número de aberrações cromossômicas e de micronúcleos resultante da exposição das raízes aos poluentes.
Dentre as cinco dezenas de variáveis de qualidade da água utilizadas pela Cetesb, as mais representativas das condições dos rios e reservatórios são as físicas, químicas, hidrobiológicas, microbiológicas e ecotoxicológicas. As variáveis ecotoxicológicas adotadas pelo órgão, e que foram alvo de comparação pela autora da tese, envolvem ensaios de toxidade aguda com a bactéria Vibrio fischeri, de toxidade crônica com o microcrustáceo Ceriodaphnia dubia e de mutação reversa (teste de Ames) para detecção de compostos mutagênicos.
Em 2005, 2006 e 2007, os ensaios da Cetesb deram negativo para toxidade crônica (quando há inibição na reprodução do microcrustáceo Ceriodaphnia dúbia) e para presença de compostos mutagênicos (acusada por linhagens bacterianas sensíveis a essas substâncias cancerígenas). “Meus testes com Allium cepa deram positivos, comprovando a sensibilidade desta técnica, ainda que minhas amostras de água e as da Cetesb fossem diferentes, pois não foram coletadas exatamente no mesmo momento”.
São estas vantagens que motivam a bióloga a propor a inclusão do “teste da cebola” no monitoramento dos corpos d’água do Estado de São Paulo. “A técnica pode ser aplicada em amostras de pequeno porte, reduzindo o exaustivo trabalho em grandes amostragens e tornando viável a sua execução em programas de periodicidade bimestral, que é a utilizada pela Cetesb em relação a outros bioindicadores. Quem sabe, futuramente, possamos fazer uma análise conjunta do mesmo material coletado pelo órgão”.
A bateria de testes da Cetesb
A bióloga Agnes Barbério ressalta a importância do monitoramento nos rios e reservatórios realizado pela Cetesb para orientar as ações de controle da poluição e recuperação da qualidade das águas por parte de órgãos municipais, estaduais e federais. “Todas as informações estão na Internet e permitem tomar medidas preventivas em locais críticos como Tremembé e Aparecida. Recentemente, em Taubaté, que também joga os dejetos doméstico e industrial no rio Paraíba do Sul, várias ruas estiveram interditadas para obras de tratamento do esgoto”.
A Cetesb utiliza 50 variáveis de qualidade de água em sua bateria de testes. As variáveis físicas são associadas com propriedades como absorbância no ultravioleta, coloração da água, série de resíduos (dissolvido, total e volátil), temperatura da água e do ar, turgidez e transparência. As variáveis químicas envolvem uma infinidade de metais, como alumínio, bário, cádmio, chumbo, cobre, fósforo e ferro, além de outros parâmetros como de carbono orgânico e oxigênio dissolvidos.
São levadas em conta, ainda, as variáveis microbiológicas, referentes aos coliformes termotolerantes; as variáveis hidrobiológicas, representadas por clorofila a, fitoplâncton e zooplâncton; e as variáveis toxicológicas, envolvendo microcistinas e os já mencionados ensaios de toxidade aguda (com a bactéria V. fischeri), de toxidade crônica (com o microcrustáceo Ceriodaphnia dúbia) e de presença de compostos mutagênicos (teste de Ames).
Em relação aos bioensaios com plantas superiores para detecção de substâncias genotóxicas no ambiente, Agnes Barbério explica que, além do teste Allium cepa (cebola), são utilizados outros organismos como Tradescantia, Arabidopis thaliana, Hordeum vulgare, Vicia faba e Zea mays. Órgãos como o Programa Internacional de Segurança Química (IPCS), Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep) e Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciaram um estudo colaborativo internacional utilizando estes bioensaios para analisar o solo, o ar e a água.
Quanto ao teste Allium, especificamente, a autora da tese menciona sua aplicação para o biomonitoramento do lago do Parque Ecológico de Campinas e dos rios que recebem afluentes industriais na região de Franca. Na época em que se procurou analisar as consequências genéticas do acidente atômico de Chernobyl (1986), estudos com A. cepa revelaram sérios prejuízos causados pela contaminação radioativa também no solo.
Matéria de LUIZ SUGIMOTO, do Jornal da Unicamp, ANO XXIII – Nº 424
Fonte: Portal EcoDebate
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