Novo tipo de composto reduzirá gasto de energia em computadores e outros dispositivos eletrônicos
Físicos experimentais de vários laboratórios no mundo – inclusive no Brasil – vêm dando sua parcela de contribuição para tornar o planeta mais sustentável. Nesses locais, está nascendo uma nova classe de materiais que promete ser ecologicamente correta, ao gastar muito menos energia que aqueles empregados hoje na fabricação de computadores, tocadores de mp3, celulares, entre outros dispositivos eletrônicos que manipulam ou armazenam informação.
Que tal deixar seu computador desligado por meses e, ao ligá-lo, recobrar o trabalho exatamente do ponto em que se havia parado? Essa é só uma das proezas prometidas por esses materiais ‘verdes’. Apesar de raros, esses compostos já começam a aparecer na literatura especializada. Um deles foi apresentado na revista Nature Materials.
Imagine como seria bom se você pudesse desligar seu computador sem ter que fechar nenhum dos programas usados e ainda poder ligá-lo, dias, semanas ou meses depois, e recomeçar exatamente do ponto em que você havia parado. Tudo estaria lá: os mesmos programas funcionando, as mesmas janelas abertas, na mesma posição na tela, e o cursor piscando, no mesmo lugar... Exatamente igual ao momento em que você desligou o computador.
Hoje, soa meio como ficção. Mas isso está se tornando realidade em laboratórios de física do planeta, graças ao desenvolvimento de uma classe especial de materiais cuja utilidade promete ser diretamente proporcional à complicação do nome: materiais multiferroicos magnetoelétricos.
Esses materiais respondem tanto à ação de um campo magnético quanto de um campo elétrico, ou seja, combinam eletricidade e magnetismo. Em geral, materiais que apresentam o fenômeno da magnetoeletricidade são bem raros. Mas um deles – e bem importante – acabou de ser desenvolvido e estudado pela equipe liderada por Yusuke Tokunaga, da Agência de Ciência e Tecnologia do Japão. Seu nome: ferrita de gadolínio (GdFeO 3 ).
As ferritas são materiais cerâmicos, maus condutores de eletricidade (isolantes), derivados dos óxidos de ferro ou outros metais. São muito usadas na fabricação de ímãs permanentes, como os de geladeira.
Para manipular e armazenar informações, nossos computadores, tocadores de música mp3, celulares etc. usam basicamente dois tipos de fenômenos: elétricos e magnéticos. Porém, nos materiais usados para construir esses equipamentos, esses dois fenômenos estão desacoplados. O resultado prático disso é que, nesses aparelhos, é preciso usar um tipo de material para manipular a informação e outro para armazená-la.
A manipulação das informações é feita, em geral, por milhões de minúsculos componentes eletrônicos. Entre eles, estão os transistores, que, ao responderem à ação sobre eles de um campo elétrico, controlam a passagem e a interrupção da informação (na forma de ‘1s’ e ‘0s’), que se transforma, de modo absurdamente rápido, em música, movimento de imagens etc. Mas, se a energia fornecida ao equipamento cessa, toda a manipulação acaba, e a informação se perde. É o que ocorre quando ‘falta luz’, e você não tem um dispositivo de segurança (no-break). Por isso, é necessário armazenar as informações mais cruciais. Eis, portanto, a razão de gravamos nossos arquivos e programas em uma unidade de armazenamento. Aí entram os fenômenos magnéticos.
O armazenamento é feito usando materiais magnéticos, que funcionam como minúsculas agulhas de bússola que podem ser forçadas a apontar em duas direções diferentes, formando outro universo binário de ‘1s’ e ‘0s’. Toda vez que ligamos um computador, a informação magnética armazenada (por exemplo, no disco rígido) é lida e transferida novamente para os circuitos de manipulação. O processo de leitura é, em geral, muito mais lento que os processos de manipulação. E, cada vez que se desliga o computador ou acaba a energia elétrica, o processo deve ser repetido.
Muitas das etapas do processo de manipulação e de gravação da informação são feitas com correntes elétricas, o que implica alto consumo de energia, pois grande parte dela se transforma em calor intenso, ou seja, em energia que não é aproveitada.
Mas o que os materiais multiferroicos magnetoelétricos têm a ver com isso? Resposta: são uma promessa para revolucionar a forma de manipulação e armazenamento de informação. Com eles, seria possível controlar, simultaneamente, os estados elétricos e magnéticos no mesmo material, com correntes elétricas de intensidade mínima. E isso é sinônimo de diminuição do consumo de energia. Ou seja, é a promessa de um mundo mais sustentável, mais ‘verde’.
Mas esses novos materiais são mais do que energeticamente ‘limpos’. Com eles, podemos construir dispositivos inteligentes e multifuncionais, permitindo simultaneamente manipular e armazenar informação, ou seja, eles se comportariam como um disco rígido que lê e processa informação ou como um componente eletrônico que a armazena. E daí vem o que foi dito na abertura deste comentário: a possibilidade de retomar na tela do computador um trabalho, meses depois, no ponto em que se havia parado.
Como dissemos, são raros os materiais que exibem comportamento magnetoelétrico significativamente intenso, ainda mais à temperatura ambiente – o autor deste comentário estuda um deles, a ferrita de bismuto. Segundo o artigo na Nature Materials, a ferrita de gadolínio é um material-chave para o entendimento de toda a classe de materiais multiferroicos magnetoelétricos.
Talvez, em poucos anos, o leitor poderá desligar seu computador, sair de férias e, ao voltar, retomar o trabalho justamente no ponto em que havia parado. Ou, se houver uma queda inesperada de energia, recuperar tudo que estava na tela. Se isso se tornar realidade, valerá lembrar que essas inovações ocorreram nos laboratórios de física experimental do mundo – inclusive no Brasil.
João Paulo Sinnecker
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (RJ)
Contribuição de Regina Peralta na Lista Ambientalistas do Sul Fluminense.
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